Multi-instrumentista, estudou Física, graduado e pós-graduado em Letras, Drews é um Kara que considero irmão, junto com outros dois. Um deles já entrevistado. Outro a entrevistar em breve. E é uma sinergia bem forte, gerada por 3 décadas de convivência e por interesses comuns: papo inteligente, cinema, música, livros, história, humor, política, comida e amigos. Saindo do papo de Família, voltando para a música: é um sujeito velho de guerra, que está por aí na música underground desde o início dos anos 80. Tocou e cantou em várias bandas e, na falta de companheiros, senta em casa, grava todos os instrumentos e canta com toda a força dos pulmões. Conhecedor Nerd de vários aspectos da música, costuma ter a melhor solução para qualquer problema. Não vou entrar em detalhes sobre tantas histórias que temos da vida. Não quero falar sobre pijamas, BGKF e placa na parede. Mas é um kara puro, de guardar no lado esquerdo de onde couber. Um som grave e um tom agudo, mas sempre com propósito, direção e valor. Por Eduardo Gordo Davis
Passou pelas bandas: Sagrado Inferno, Excalibur, Swing, Uncanny Fritz Muthas Goodfellas, BGKF, Critical Mess, Chakal.
Qual a maior dificuldade que as bandas enfrentam atualmente?
Dificuldades são muitas e algumas são as mesmas que tínhamos há 30 anos. Mas hoje acredito que a falta de atenção para os trabalhos autorais seja o mais sério. Os espaços para apresentação ao vivo estão tomadas por bandas de “cover”, extremamente competentes, que tomam todo o espaço disponível. É lógico que o fato de o público comparecer muito mais a apresentações de “cover” do que nas de bandas autorais (que tem tocado aí pra 40 pessoas) ajuda e acaba justificando a situação.
A tecnologia faz diferença no som da banda?
Muita. Hoje tenho um equipamento em casa que me permite fazer gravações com qualidade infinitamente superior do que fazíamos antigamente gastando uma grana federal em estúdios profissionais. Isso é uma revolução para produção de demos ou mesmo álbuns. A distribuição de músicas por meio digital também traz para o artista uma independência sem precedentes.
Qual a importância das letras na sua opinião? O público se interessa pelas letras?
Não consigo falar pelo público, mas eu acho que sim e que não. Ouço músicas que as palavras não dizem absolutamente nada, são apenas sons que adquirem musicalidade. Outras tem mensagens políticas e de crítica social muito fortes. Outras são bobinhas e imaturas, não tem nenhuma profundidade. Acho que tudo depende do conjunto, do contexto, do estado de espírito do ouvinte e do momento em que se escuta a música.
Qual a maior satisfação que você teve com música até hoje? Foi embaixo do palco ou em cima do palco – ou no backstage?
Embaixo do Palco: Paul McCartney – foi o cara que me fez querer ser baixista e alimentou minha paixão pela música desde quando eu era muito pequeno; Em cima do palco: Chakal na praça da Estação. Mar de cabeças bangueando, stage diving e o escambau.
A busca por um som diferente é uma constante?
Hoje estou num momento de colher frutos de alguns anos de experimentalismo. Consegui criar o “meu som” com instrumentos e amplificadores que foram o resultado de muitos anos de experiências e acidentes. Hoje tenho uma “assinatura”. Além dos efeitos. Ver o Doug Wimbish usando um milhão de efeitos e tirando um som pesado atiçou minha curiosidade e venho experimentando há muito tempo. Hoje uso um set de efeitos que me permite fazer coisas diferentes o tempo todo. O que aprendi com isso foi que ficar tentando copiar o som do seu ídolo comprando o instrumento igual, o amp igual os efeitos iguais pode ser legal, mas é muito mais legal ter uma identidade.
Qual a melhor maneira de entender o que acontece no mundo underground?
Talvez não tentar entender. O verdadeiro underground é um mundo sem limites mercadológicos mas que acaba se relacionando com o mercado. O negócio é pular de cabeça nele, abraçar o que te agrade e desistir dessa coisa de entender.
Qual o seu envolvimento com a cena atualmente?
Hoje toco em uma banda de covers pervertidos (que pouco tem em comum com as músicas originais), componho e faço releituras de coisas antigas que pouco ou nada tinham a ver com Rock. O que procuro é limitar minha paleta de ferramentas ao Baixo, guitarra, bateria e voz, e ver o que dá pra fazer. Tocamos ao vivo onde dá e coloco minhas gravações no Soundcloud e afins.
Quais estilos e bandas merecem a sua atenção hoje em dia?
Sendo rock, ouço de tudo, de Muse a Meshuggah. De coisas mais recentes tenho ouvido bastante Antigama, da Polônia. Não deixo de ouvir tudo que acumulei nos meus milênios de contato com a música.
O que você ouve de metal nacional?
O pessoal oitentista de BH, ainda ouço muito, principalmente Chakal e o Witchhammer. De vez em quando descubro algo que me agrada muito, como o Desalma, de Pernambuco.
Em 10 anos, ainda estaremos aqui?
Pergunta difícil. Estamos destruindo o mundo e a nós mesmos. O metal com cada vez menos espaço. Realmente não arrisco.
O que pode mudar para melhor nos eventos que os produtores nacionais oferecem para as nossas bandas?
O que precisa mudar mesmo é o público. Fico na esperança de que as pessoas se desvinculem do Hype e da massificação da produção musical e desenvolvam seus gostos e preferências por si próprios. A gente correu muito atrás do que não tocava nas rádios nem na televisão. Hoje não tem muita gente que faça isso. Os problemas de condições ruins, falta de divulgação, isso tudo mudou pouco nesse tempo todo.
“UmBaixista du Karai!”
O rock ainda têm o poder de transformar mentalidades e efetivar mudanças sociais e políticas duradouras?
Não tenho dúvida que consegue. Mas, como outras ideias libertárias, está com pouco espaço na sociedade. A onda conservadora adquiriu uma dimensão preocupante, inclusive na comunidade do metal, o que é difícil de acreditar…
Livros são fontes de inspiração para músicas?
É inegável que no metal sempre foram, basta ouvir Led, Iron Maiden, Sabbath… sou um PÉSSIMO letrista, mas as poucas letras decentes que eu fiz tem muita influência dos trabalhos do Noam Chomsky e do Jean Baudrillard. (apesar de que o que eu leio muito é Lovecraft, Alan Moore, Neil Gaiman…)
Quais livros fizeram a sua cabeça?
Uia. “A manipulação do público”, do Chomsky, ‘Simulacros e simulações”, do Baudrillard, “O capital no século 21”, do Tomas Piketty; “Deuses Americanos”, do Neil Gaiman, “A voz do Fogo”, do Alan Moore, “Um estranho numa terra estranha”, do Heinlein (mudou minha visão da humanidade quando eu tinha 16 anos), “Contato”, do Carl Sagan; Toda a obra do Poe, Lovecraft, Raymond Chandler, Dashiell Hammet, James Ellroy (esses três últimos foram a base da minha tese de mestrado).
O que falta no Metal Nacional?
Exposição. Precisa aparecer mais. Tem MUITA coisa MUITO boa que fica soterrada a vida toda.
Banda favorita de todos os tempos e estilos?
Uma só? Beatles. Primeira banda que ouvi por escolha e continuo ouvindo, 50 anos depois. (Tem uma centena de bandas que eu queria colocar aqui).
Qual CD você daria de presente para o seu pior inimigo?
Daria porra nenhuma. Que meus inimigos definhem sem música nenhuma.
CERVEJA, definitivamente, mas depois de vexames recentes e de um ganho absurdo de peso, estou curtindo mesmo é água de coco. A velhice é uma coisa interessante.
Quem é você fora da cena?
Não tem eu fora de cena. Sou basicamente a mesma coisa.
E o Karai?
O KARAI é uma iniciativa extremamente relevante para o que eu respondi numa pergunta acima: EXPOSIÇÃO. É preciso que se mostre as bandas e a arte independente. O KARAI pode ter um papel fundamental na vida do underground.
Desce a lenha no que quiser. Seu espaço para digna indignação, protesto e o que mais precisar falar! Agradecemos pela confiança no Karai!
Ando meio cansado de viver nessa sociedade que se organiza pela competição. A solidariedade está desaparecendo, a empatia está desaparecendo ou, pelo menos, é o que nos querem fazer crer. Nos últimos dois anos tenho viajado por pontos remotos do interior e vi que existe um outro povo longe das capitais que ainda tem valores que valem a pena. É o que me impede de perder a fé completamente.