Charlie Curcio – Stomachal Corrosion

Charlie por Karai

Charlie é um kara batalhador, simples, direto e objetivo. Ao conversar com ele percebe-se que não há mais espaço para calos. Já passou por todos os tipos de experiência, boas e ruins, que um músico do underground acaba passando. Mas continua na luta como se o próximo show fosse o primeiro, como se cada público fosse o mais importante. E nas horas de trabalho continua na música, espalhando o trabalho dos colegas músicos e bandas pelo mundo. Com isso, conhece os meandros e a situação atual do Metal como poucos. É uma honra para o nosso projeto ter o Charlie e sua banda como parceiros. Juntos podemos e vamos fazer a diferença para melhorar a situação do cenário underground do Brasil.

Por Eduardo Gordo Davis

Qual o tipo de dificuldade que as bandas sofrem há décadas?

Como estou neste meio underground e mexendo com bandas desde 1990, posso dizer que acompanho este sofrimento há tempos, e sei que os pontos podem mudar. Mas a cultura do “quanto pior, melhor”, ou do “ser profissional é se vender” vigente no meio aqui no Brasil, continua e é o mais agravante, pois é um problema interno que nunca se resolve. Acredito que muito do que se passa é fruto de “tiros nos joelhos” dados pelas próprias pessoas de bandas e outras frentes, como o público em si, que pregam posicionamentos e ações que acabam podando quem realmente pensa positivamente em questão de ter banda, organizar eventos bem feitos e que respeitem público, bandas e todos envolvidos.

A tecnologia faz diferença no som da banda?

A StomachalCorrosion é uma banda antiga, existe desde 1991, e procuro seguir na linha da Velha Escola, mesmo reconhecendo e assimilando as mudanças, evoluções e atalhos para produções de material principalmente fonográfico. Mas, gosto da velha linha de ensaios constantes, composições simples e que tenham bases e riffs marcantes, gerando identidade musical para cada som que criamos. Não costumo falar o que é certo ou errado nos trabalhos das outras bandas, pois isso é pertinente a cada um, mas na SC gosto que as pessoas ouçam quando começamos um som e já saibam até o nome do mesmo. Assim é com o áudio e o formato de gravação, não gosto de fazer gravações onde cada instrumento é lapidado e polido, divididinho em trilhas distintas limpas e cristalinas. Somos uma banda GrindCore, e este tem que ser sujo, coeso e forte, mesmo tendo qualidade. Às vezes pessoas que passam pela própria SC demoram a entender isso, por serem mais, digamos, modernos… hehe!

Qual a importância das letras na sua opinião? O público se interessa pelas letras?

Sim, as letras são importantes sim, mesmo a SC não tendo uma pegada de cantarmos as letras bem em cima, já que temos uma base no Noise antigo neste quesito. Quanto ao público, não posso dizer que é um consenso acompanharem ou até saber, mas muitas pessoas já comentaram sobre nossas letras e acho isso algo que deve sair da banda ao público, ou seja, escrevermos sobre assuntos que achamos pertinentes ao nosso estilo e esperar que alguém nos entenda e se achar conveniente pegar como exemplo. Não acho coerente uma banda Grind falar sobre dragões, fadas, demônios e espadas. Mas, há bandas em estilos que isso cola bem.

Qual a maior satisfação que você teve com música até hoje? Foi em cima ou embaixo do palco – ou no backstage?

Rapaz, esta é difícil! Mas, chegar a ter um material lançado é algo que nos gera um sentimento de trabalho reconhecido e concretizado. Lembro quando saímos em uma compilação de bandas em LP 12”, e quando eu recebi minha parte das cotas das bandas, foi algo que demorei para acreditar, você sabe, ver uma música da banda ali naquela pedacinho de vinil, rodando no 3 em 1. Estes dias foram mágicos. Quando subi em alguns palcos também foram demais. Tocar em uma casa e no mesmo palco onde semanas antes o Napalm Death havia tocado foi algo que quando eu estava no palco não pude deixar de pensar: “Puxa, o Napalm Death tocou aqui estes dias… Puxa vida!” Fora dos palcos alguns momentos foram chave, até por ter alguma relação com a SC, como quando conheci pessoas de algumas bandas, revistas, zines e organizadores de eventos!

A busca por um som diferente é uma constante?

Particularmente não gosto de misturebas de som. Falo em juntar estilos muito distintos. Quem gosta e faz, por mim, tudo bem, mas não me agrada. Na linha da SC acho que não há muito o que fazer diferente… que bom (Risos!). Porém, sempre busco alguns elementos para dar a tal identidade sonora a que me referi acima, mas não saindo tanto da linha da música pesada. Mesmo assim, concordo, é uma luta constante quando se tem um trabalho que não para, com tantos lançamentos e compromissos surgindo. Um nome com tantos anos de estrada acaba demandando mais atenção e responsabilidades mesmo.

Qual a melhor maneira de entender o que acontece no mundo underground?

Literalmente vivê-lo. Em um mundo, como o de hoje, onde o virtual tomou mais corpo do que a vida real, o que mais surge por todo canto são os chamados oir mim de “donos do underground”, são pessoas que acham que suas verdades devem ser as de todos, mesmo que estes nem saibam do que estão falando, pregando e cobrando, justamente por não saberem os motivos pelos quais as coisas sejam como são para as demais pessoas. Tenho comigo que o meio da música pesada, indiferente do estilo, é onde tenho a liberdade de andar como quero, usar as roupas que gosto e tenho, ouvir e falar de acordo com o que penso e gosto em termos de ideias e outras bandas e suas músicas. Vejo neste meio um ambiente aberto para sermos quem realmente somos, não deveriam existir regras, leis internas que nem sabemos quem as promulgou. Vejo tanta merda nos sites de relacionamentos que acabei num esforço para me manter preso apenas a divulgar assuntos referentes à minha banda e de amigos, ou que eu ache louvável o espaço. Penso comigo a cada momento: Voces falam tanto da sociedade, mas esquecem que fazemos parte da mesma. Vocês gostam de replicar a palavra Liberdade, mas cerceiam a de quem quer que seja simplesmente por não ser uma extensão de seu cérebro! Para mim, sou livre por estar no underground e pronto!

Quais estilos e bandas merecem a sua atenção hoje em dia?

Cara, sofri uma série de ataques na cara de algumas bandas desgraçadas ultimamente e posso mencionar algumas, independente de seus estilos, o que mais importa para mim são os sons e camaradagem de seus membros: Baga (Bahiano, seu desgraçado), Preceptor (Eduardo mata a pau na performance), Mata Borrão (o Pena é um batera fora do comum), Bode Preto (Tom Warrior na guitarra), Sex Messiah (o vocalista é uma entidade maldita), Chaosynopsis (um dia um idiota criticou estes caras), Aneurose (do meu camarada Wallace), Necromante (banda pra ter som em vinil). A lista pode ser extensa demais.

Em 10 anos, ainda estaremos aqui?

Espero que sim… (risos). Quando tinha 18 pra 19 anos eu achava que não chegaria aos 30, e hoje caminho para os 50. Estou no Rock’n’Roll num âmbito geral desde 1983, já vi de tudo cara, por isso digo que quase nada mais me impressiona. Confesso que já cansei várias vezes, já até desisti de ter esta pegada mais pública com relação a ter banda, organizar eventos e etc., mas, o underground parece ser daquele jeito que falam mesmo: ele nos escolhe, mesmo que tentemos fugir, parar e desistir, ele dá um jeito de mandar alguém solicitando algo que possamos fazer para ajudar. E assim tem sido comigo. Com tantas derrotas, frustrações, decepções, perdas, faltas de oportunidades, desrespeitos, falta de grana, tantos NÂOs na cara, incompreensões e falta de entendimentos, sigo aqui ainda, e espero que minha paciência consiga suportar por mais uns dias, semanas, meses e quem sabe, uns aninhos mais…

O que pode mudar para melhor nos eventos que os produtores nacionais oferecem para as nossas bandas?

O tratamento em essencial. Banda que mendiga palco também está com o posicionamento errado. Os organizadores aventureiros ainda persistem a pipocar aqui e por toda parte. Chega deste pensamento imbecil de “estou fazendo um favor de sua banda tocar em meu evento”. Se me permite… FODAM-SE os pseudo-organizadores que ainda pensam assim. A postura é outra, tem que haver respeito mútuo. Quem tem o público é a banda, não o organizador. Mesmo que alguns destes tenham seus fãs e seguidores, em uma panelinha típica no meio underground. E posso te garantir que isso não é privilégio de uma ou outra cidade, mas de tudo que é lugar onde um cara prepotente e arrogante se proponha a usar bandas como pano de fundo para suas fotos em páginas de rede social. Já toquei demais com fome, sede, cansado de tanto viajar. Já topei demais tocar em local lotado de gente pra ver a SC e outras ótimas bandas e não ganharmos nem uma garrafinha de água. Isso tem que mudar, principalmente nos vomitadores de regras que acham que pedir ajuda de custos ao menos é ser mercenário, se vender ao nem sei o que. É por causa de gente que não conseguiu nada do que almejou e vomita suas frustrações com discursos derrotistas que o meio underground no Brasil ainda caminha a passos lentos e voltando um a cada dois que se dá à frente. Evento com estrutura e condições para as bandas por aqui é coisa rara. Tocar em qualquer lugar não é divulgar. Tem lugar, organização e eventos que mais queimam o filme do que acrescentam algo no currículo da banda. Converse com qualquer amigo seu que foi fazer uma turnê na Europa, mesmo que seja de maneira mais furreca. Todos falam que quando votam pra cá, dá vontade até de chorar de tão atrasados que estamos. E muito por causa dos velhos “tá ruim pacárai, mas vamo assim mesmo, mano!”, e dos tapinhas nas costas com a frase “valeu aí, mas sai logo do palco que tem mais 45 bandas pra tocar antes do dia amanhecer”, e tem deles que nem palco existe. Bem, é preciso ter atitude e saber falar Não também. De perguntar o que a organização vai conceder de mínimo aos músicos, para que estes possam desempenhar um bom show para o público presente, que é quem paga ingresso. Temos que aprender que em tudo na vida existem as pessoas para fazer cada um suas funções e devemos todos nos respeitar e apoiar, entender e contribuir para uma evolução constante. Sei de banda que veio ao Brasil tocar sem cobrar nada, o organizador ganhou uma puta grana vendendo contas de shows da tal banda, e os músicos foram embora do Brasil doentes e odiando isso tudo aqui.

Livros são fontes de inspiração para músicas?

Claro! Eu leio muito e escrevo mais ainda. Deu pra perceber, né? (Risos)Me baseio demais nas experiências de todo tipo de banda em todos os seus níveis de status no meio musical, digo, no mainstream ou no mais underground. Já li de KISS, Slayer e Black Sabbath ao livro de um grande guerreiro e que respeito e admiro muito, que é o Junior Rossi, da banda Masher. É como um espremedor de ideias, exemplos e caminhos a seguir ou não. Leio meus zines xerocados até hoje, leio as entrevistas das bandas, assim como me correspondo por e-mail e converso demais com vários músicos nos meus perfis de Facebook e Twitter (sim, há como extrair coisas produtivas deste antro de especialistas do nada a ver). E te digo, há tanta gente boa por aí, cara! Podemos aprender tanto com estes caras que não se seguram quando o que está em jogo é sua satisfação em ter uma banda e fazer o que mais gosta, que é tocar, cantar e não ser apenas uma engrenagem descartável em uma empresa qualquer, em troca de um salário cuspido no peito, e ainda ter que fingir que está satisfeito com o resto da banda que um dia foi um sonho de dominação do mundo (Risos).

O que falta no Metal Nacional?

Falta, meu velho, as pessoas o respeitarem, o enxergarem como uma cultura, um meio onde as pessoas querem tocar e ouvir, ler e ver, ser o que quiserem ser e não se preocuparem com leis existentes apenas nas cabeças de gente que não deu certo nos seus planos passados e hoje tentam impor boicotes idiotas, pensamentos pequenos, lutas inúteis contra sabe-se lá o que. Faltam organizadores de eventos aprenderem o que é organizar um evento no meio underground. São poucos caras que realizam shows decentes em lugares legais e com condições para as bandas. E falta a maioria das bandas se valorizarem, entenderem, como disse acima, que são elas que chamam o público. Diga que está organizando um show sem bandas em um lugar e veja quantas pessoas vão. Posso dar outro exemplo com eventos recheados de bandas ruins, ou com uma queimada, o público não vai por este motivo, mesmo que o produtor seja um baita cara gente boa! Outra coisa que acho engraçado aqui é que uma banda sair em uma página de uma revista de banca ainda é um verdadeiro sacrilégio para umas pessoas. Com este pensamento mínimo e que só atrapalha, quantas revistas nós temos hoje no Brasil? Já procurou ver como é o mesmo cenário em países como a Argentina, Chile, e outros mais?

Banda favorita de todos os tempos e estilos?

Não sei se tenho uma banda favorita ou um estilo preferido. Posso ouvir um Accept e pirar, daí coloco pra ouvir um som do Napalm Death e piro do mesmo jeito. Quando conheci o Rock’n’Roll, em 1983, não existia o Hard Core direito e pouquíssimas bandas existiam, este universo era mínimo e extremamente underground, então conheci de início o KISS, e o ouço e curto até hoje, tenho vários discos. Muitos me conhecem como “O cara que toca Grind e é fã do KISS” (Risos). Já o Tony Iron, do primeiro fã clube do Sepultura, me chama de Grindão, já até me apresentou aos caras do Napalm Death mais ou menos assim, isso por causa da StomachalCorrosion e esta imagem no meio do Grind Core por aqui. O Ricardo Batalha já me falou que meu perfil é de desgraça. Bom isso, não… (Risos).

CDs, fitas K7 e vinil. Sobrevivem por quanto tempo?

Cara, isso só os colecionadores maníacos falarão! É aquele papo: quando surgiu a televisão, falaram que o rádio estava extinto, e ele está ai até hoje. O mesmo com os vinis quando surgiu o CD, e hoje vinil é coisa até chique, parou de ser apenas decoração de bar sem grana pra comprar quadros bem emoldurados (Risos). Nota: Já fui dono de um bar e usei este mesmo recurso pelo mesmo motivo. As fitas cassetes estão voltando a serem produzidas e até de maneira industrial, como antigamente, com produção e acabamento profissional. Claro que as tosquisses continuam a serem lançadas de qualquer jeito, o que já espantou muita gente e desvalorizou muita coisa, ao ponto de não ser viável o investimento. Mas, sempre há quem dê o devido valor e os veículos de profusão sonora e visual seguem. Enfim, nunca acabarão, sempre existirá um cara que nem eu, que ainda ouve suas velhas fitinhas cassetes e vinis, assim como conectar um aparelho de DVD ao som 3 em 1 para ouvir uns CDs.

Cerveja, água, tequila, whisky, suco, cachaça, refri

Agora? (Risos) Sou cervejeiro, cara! Mas, encaro todos itens citados sem preconceito. E de todos, a água é realmente o único essencial… É, tô ficando velho (Risos).

Desce a lenha no que quiser. Seu espaço para digna indignação, protesto e o que mais precisar falar! Agradecemos pela confiança no Karai!

Só posso agradecer pelo espaço, pela grande parceria, confiança em nosso trabalho e profissionalismo no que se propõe. Acho que minhas indignações e protestos estão nas linhas acima. Só torço para que um dia estas minhas palavras e pensamentos sirvam para mudar o que imagino ser prejudicial aos demais. Não penso exatamente só em mim e minha banda, mas num contexto universal e amplo. Que as pessoas passem a tratar bem umas às outras e que nosso meio underground seja um berço de respeito e realmente força e coesão. Obrigado pelo espaço e pela parceria. Abraço!

 

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