Clênio – Baixista e vocalista do Cracked Skull
Clênio por Karai
Sujeito inquieto. Perturbado, faz o mesmo. Perturba.
Não deixa o pensamento parar, nem o seu próprio, nem o de ninguém.
É irriquieto mesmo, esse kara! Mexe na ferida, no osso. Chama pra luta! Dizem, porém, que é sujeito pacato, sereno. Que sabe unir, com peso e impacto, diferentes sons e diversas letras.
O que se vê mesmo, é um kara inteiro por dentro e por fora,
com o coração na garganta,
a revolução no sangue,
e o menino nos olhos.
Por Casito
Clênio. Quem é esse kara?
Um cara inconformado. Sonhador, esperançoso, que preza muito pelo humanismo.
Qual a maior dificuldade que as bandas nacionais underground enfrentam atualmente?
Tem hora que faço a analogia da cena musical com um aquário.
Temos os peixes: público. Muitos cardumes: bandas.
E pouquíssima água: empresas interessadas, casas de shows, espaço nas rádios, TV, casas de shows.
E quem anda controlando o fluxo dessa água é a grande indústria da música. A Som Livre consegue colocar na cabeça de qualquer pessoa em qualquer canto do território brasileiro, o gênero musical que lhe interessa. Hoje, mesmo numa comunidade rural isolada, temos adolescentes que reproduzem o mesmo estilo de vida do funk carioca, do sertanejo universitário, do batidão eletrônico playboy, ou seja, todo o catálogo da empresa Som Livre. E aí, internet, que poderia ser um meio democrático pra disseminar coisas novas e clássicas, acabou sendo tomada por essa força descomunal que é a indústria da música.
As bandas independentes, sozinhas ou desunidas, não têm força pra disseminar seu trabalho.
Em 10 anos, ainda estaremos aqui?
Capitalismo mais agressivo ainda, disputa por poder entre setores especulativo e produtivo dentro desse sistema, mudanças climáticas, recursos naturais escassos, crescente violência urbana, não sei… Podemos superar isso enquanto sociedade e espécie, mas talvez não.
Voltando um pouco às pedras no caminho underground, e tentando entender melhor as soluções, o que pode mudar para melhor nos eventos que os produtores nacionais oferecem para as nossas bandas?
Só o cooperativismo pode dar uma oxigenada nisso tudo. Sair querendo romper as coisas no peito, bancado o empresário, não dá. Quase não há produtores que fazem evento privado, os que fazem, tiram leite de pedra pra ficar no zero a zero, essa é a realidade nua e crua.
As letras da banda são da autoria de quem? (Devemos dizer que são muito boas e contundentes. Fortes e questionadoras.)
As letras são de minha autoria mesmo. A influência é o materialismo histórico e dialético. Obrigado pelo elogio, fico muito contente.
Qual a importância das letras na sua opinião? O público se interessa pelas letras?
A importância pra mim é causar reflexão, debruçando sobre o mundo real, concreto. Não tenho interesse pelo Niilismo, não quero propor o nada por nada.
O público tem se interessado muito, pois fala sobre o chão que as pessoas pisam, falam das relações de forças a qual estamos todos sujeitos. A resposta da galera tem sido muito maior do que eu esperava.
Qual a maior satisfação que você teve com música até hoje? Foi na platéia, em cima do palco ou no backstage?
Conseguir transformar seu pensamento, sua angústia, sua proposta em música e ter resposta das pessoas, sentir que a mensagem foi compreendida, ver o feeling de quem escuta, acho que é a maior satisfação.
Quais estilos e bandas merecem a sua atenção hoje em dia?
Sobre os estilos, não curto um em específico. Desde bandas de Hard Rock, classic Rock, Folk, Doom, Thrash, Prog, Death metal, Black Metal. Tem várias bandas que ouço e se encaixam nos estilos citados.
O que você ouve de metal nacional?
Ouço muita banda brasileira. Krisiun é uma que me influenciou bastante. Em Minas, Curto Tuatha de Danann, Concreto, sou muito fã da bruxa WitchHammer, sem demagogia rsrs. A presença de palco da bruxa é coisa rara. Sou fã da banda Deadliness de Itaúna, Torture Squad, acompanho várias bandas do underground. Ouvi uma de Brasília, que se chama Omfalos. Viajei no som. Andei ouvindo bastante Nervochaos, que som foda! Eu retiro os sons do CD e passo pro celular, ouço o dia todo no trabalho várias bandas.
Livros são fontes de inspiração para músicas? Quais livros fizeram a sua cabeça?
Sim, literatura é o alicerce de tudo! Li Cosmos de Carl Sagan, li O universo numa casca de noz de Stephen Hawking, li Charles Darwin e depois Richard Dawkins. Mas o que mais me fez amadurecer o pensamento foi Karl Marx e Engels. Em A Ideologia Alemã e o Capital, de extrema dificuldade de compreensão. Bom, esses são os principais.
A leitura do livro Olga me fez amadurecer bastante também. O livro Satyricon, um conto real de uns personagens da época do império romano foi massa também.
Dando uma relaxada virtual na nossa entrevista, cerveja, água, tequila, whisky, suco, cachaça, refri?
Cerveja em primeiro lugar. Cachaça pra acompanhar torresmo e carne apimentada. Whisky não é minha praia rsrs. Cerveja puro malte hein!! Rsrs
Quem é você fora da cena?
Eu sou um cara que gosta de ficar de boa em casa nas folgas do trabalho e da agitação. Sou uma pessoa que gosta de aprender sobre filosofia, política, ciência e música. Sou um cara tranquilo de relacionar.
Banda favorita de todos os tempos e estilos?
Se banda preferida fosse igual namorada eu tava ferrado rsrsrs.
Rush eu ouço em todas épocas e sempre me emociono. Mas tudo começou na minha vida metal com o disco Beneath the Remains, e sepultura ficou sendo marcante pra mim. Descobri Led Zeppelin, e, Nevermore logo em seguida, as melodias são Du Karai.
O rock ainda têm o poder de transformar mentalidades e efetivar mudanças sociais e políticas duradouras?
O Rock tem sim esse poder, só precisamos ver o estilo sair fora do Niilismo e começar a propor. E claro, precisamos inventar o cooperativismo dentro do rock pra nutrir a cena.
Qual o seu envolvimento com a cena atualmente?
Em primeiro lugar, dedicação à banda Cracked Skull. Mas quero poder promover a cena de minha cidade e região através da produção de eventos e ver outras saídas pra bandas como o Cracked Skull, poder ser manter.
Você também é produtor de eventos?
Sim. Fiz o último evento da casa de shows Pantheon em Itaúna, casa do metal. O proprietário do imóvel pediu a casa de volta, descobri junto com o Rudy- Calvary Death, o Bar do Tteu, em 2005, onde fizemos eventos por vários anos. Depois perdemos esse espaço também. Fiz alguns eventos em vários locais diferentes, com nomes diversos. Hoje estou com a proposta do Itaúna Metal Fest. Rolaram duas edições excelentes.
E o Karai?
Eu quero conhecer melhor os trampos e a proposta do Karai. Ainda sei pouco sobre. Mas pelo que vi, é uma iniciativa é tanto pra dar suporte a bandas independentes.
Obrigado, Clênio, pela presteza e disposição, clareza de ideias e luta. (Observamos que esta entrevista foi digitada em tempo real, o que nos custou uma hora e pouco de chat, portanto um “salve” especial, grande camarada!) Deixo o espaço para sua despedida e mais uma “espetada”. Desce a lenha no que quiser. Seu espaço para digna indignação, protesto e o que mais precisar falar! Agradecemos pela confiança no Karai!
Sim, foi digitado em tempo real. Penso que a cena Rock n Roll, Punk e Metal, tem que fazer uma faxina desse pensamento Niilista que dominou tudo. Temos que pensar como cidadãos, superar a década de 80 e 90, mas sem esquecer as raízes. Temos que superar o capitalismo, a galera tem que entender o que é capitalismo também. É preciso ruptura social se quisermos estar aqui daqui a 10 anos ou mais e propor sempre. Temos que pensar como classe trabalhadora que somos, como classe artística e sacar que não precisamos pensar como no filme Rock Star, onde um empresário desce do céu, te oferece um contrato pra gravar e entrar em turnê. Isso é balela. Precisamos abrir mão do narcisismo que é forte dentro das artes e principalmente na música. Cooperação é a saída.
Um grande abraço e muito obrigado pelo espaço e atenção.