Tales por Karai
Um kara querido por todos, de coração gigante, inconformado com o que fazem contra o nosso povo, incomodado com cada detalhe errado do mundo, e, por isso se tornou empolgado professor e empresário. Punk, metal, rock, cerveja. Seu senso de justiça é aguçado, sua paixão pelo futebol, embora equivocada a escolha de time, respeitada. 🙂 Apaixonado pela música underground desde que chegou no olho do furacão em BH. Apesar de humildade enorme, vai ainda contribuir substancialmente para a nossa cena porque ele não para de pensar em novas maneiras de participar e ajudar. Ainda vamos ouvir falar pra Karai de Tales. Are you MORBID? Uh!
Por Eduardo Gordo Davis – Karai
Tales Lacerda, Morbid Tales
Toco bateria no Garagem Dinossauro, uma banda punk iniciante que ninguém conhece e que muito em breve ninguém vai ouvir falar 🙂
Falando um pouco sobre o passado, quais são as melhores memórias de quando começou a frequentar a cena metal? Que bandas você ouvia?
Claro que a época do Ginástico. Vim do interior pra BH em 1988 e em 1989 comecei a ir a shows. Não perdia um. Era um menino da roça achando que aquela turma lá no palco eram os deuses. E não é que são até hoje mesmo? 🙂
Ouvia música o dia inteiro: Iron Maiden, Slayer, Manowar, Metallica, Exodus, Kreator, Destruction, Running Wild, Helloween, Venom, Sepultura, Overdose, Witchhammer, Chakal, The Mist, Ratos de Porão, Garotos Podres e Titãs – que não eram metal, mas com quem me identifiquei muito, porque já tinha tolerância zero pra igreja, família e na época eu também comecei a participar de manifestações políticas, me filiei ao PDT, votei em Brizola e Lula pela primeira vez em 1989… ótimos tempos. Não à toa 35 anos depois fui montar banda cujas principais influências nas letras são… Titãs e Garotos Podres.
O que você tem ouvido recentemente?
Blues, Jazz, punk, country: Johnny Cash, Motorhead, Matanza, Flogging Molly, Reverend Horton Heat, Misfits, Rancid, Pennywise, Stooges, New York Dolls.
O que você ouve de metal nacional?
Dos ‘novos’ (novo pra mim é de 2000 pra cá) Nervosa, Catarro e Gangrena Gasosa. Abrindo o leque pra punk e rock mais geral, adoro os Gramofocas que acabaram, Ratas Rabiosas, Oldscratch band, Trash no star, Deserdados, os Dead Pixels e The Folsoms de BH. Mas continuo curtindo muito Witchhammer e Chakal que, graças a Lúcifer, estão de volta!
Quais são seus planos musicais para o próximo ano?
Porra, conseguir estabilizar uma formação da banda por mais de 6 meses e gravar umas músicas 🙂
O metal mudou muito em termos de som e estilo durante esses anos. Quais são as suas impressões?
Mudou, né? Porque não dava pra todo mundo tocar as mesmas coisas até hoje. Com a chegada da internet, muita gente tendo acesso a muita coisa nova, perdendo o preconceito de misturar estilos e sons, passou a ser mais difícil classificar as coisas. Eu sempre gostei dos classicões lá de trás, de metal mesmo só escuto velharia. Mas isso não é bom pra cena. Se a gente da faixa dos 40, 50 não se abrir pra ouvir coisa nova e ficar escutando só os velhos discos de 30, 40 anos atrás, não vamos reclamar depois que ‘o metal morreu’.
O rock ainda têm o poder de transformar mentalidades e efetivar mudanças sociais e políticas duradouras?
Ter, toda música tem. O problema é que o rock tá reaça demais. Tô numa total falta de paciência pra essa escrotice. Rock sempre foi contestação, e agora tá cheio de bolsominion e nariz de palhaço falando bobagem por aí. Mas ainda tem gente boa, porque rock tem que marcar posição política sim. A eleição de Trump nos EUA está revivendo um pouco dessa necessidade de postura. O golpe aqui no Brasil também, mas não no rock, infelizmente. O rap/hip hop tomaram essa bandeira do rock.
Como você descreve a cena metal hoje?
Efervescente como sempre foi. Bandas como Nervosa e Krisiun indo pro exterior, e zilhões aqui tocando nos inferninhos. Não temos nem teremos mais a New Wave of BH Heavy Metal, como não teremos outros Beatles nem Black Sabbath nem Motorhead, mas é obrigação nossa aparecer nos shows. Tem uma música nossa, ‘Tem que ir ao show’, que fala sobre isso.
Ah! E tem esse povo Stoner aí, um som que não curto muito, mas tem muita banda que toca muito, e os caras estão tocando pra cada vez mais gente, produzindo muitos eventos. Em BH o autoral tem conseguido mais espaços. Sempre foi só Matriz e A Obra, agora temos Autêntica, Santa Praça, vários bares de rock/motoqueiros, e até casas que só tocavam cover, como o StoneHenge, abrem espaço pro autoral. Se a banda tiver público, lugar pra tocar não falta.
Como resgatar e promover o metal nacional?
Com união, planejamento e conhecimento do mercado. Não é com choro. Não adianta ficar vendo vídeo no Youtube, baixando música e reclamando que o rock não tem espaço. Antigamente a gente só ouvia metal, nem podia pensar em ouvir outra coisa que tomava ovo 🙂 Meu filho escuta de Los Hermanos e hip hop a Matanza e Catarro, sem preconceito algum, então é mais concorrido mesmo. Vá aos shows, compre o material da banda, participe das campanhas de financiamento pras bandas gravarem.
E os produtores têm que planejar mais, adequar a casa ao público esperado, fazer festivais pra chamar mais gente, misturar bandas de outros estilos nos festivais. Senão vai ser isso, show de 3 bandas com 20 pessoas assistindo: as bandas, namoradx e amigos.
Qual o seu envolvimento com a cena atualmente?
Cheguei a participar de uma produtora no início do ano, fizemos um festival de Punk+Rap (o Festival do Fim do Mundo), tenho muita vontade de participar de mais produções, mas o esforço atual é pra conseguir consolidar a banda e gravar umas músicas.
E o Karai?
O Karai é ducarái! Pô, nada melhor que um dos maiores – senão o maior – conhecedor da cena de BH, o Gordo, pra ter essa iniciativa de congregar bandas, merchan, eventos etc e tentar sacudir um pouco a cena de BH com profissionalismo. Vida longa!
O que falta no Brasil para que o artista possa realmente viver de seu trabalho?
Seria muita pretensão de minha parte tentar falar sobre isso. Tenho uma banda há 3 anos, ainda tentando consolidar um repertório e formação, fizemos aí uns shows, mas nenhum de nós tem a pretensão de viver de música, até porque eu sou o mais novo da banda com 45 anos e ainda nem sei tocar 🙂 Vejo gente de outras cenas vivendo já do trabalho, mas o rock pesado realmente perdeu mercado, e não dá pra ficar culpando ‘o sistema’.
A juventude hoje não é transgressora. E quando é, se identifica mais com o rap. Eles têm muita opção de estilo de música, o rock é apenas uma, e o rock pesado então é uma subseção do rock. É a globalização. Eu acredito que como produto que se queira vender (sem a conotação pejorativa de ‘rock comercial’, por favor), a banda tem que pensar em quem é o público, que mensagem quer passar, como chegar a este público. Tudo planejado como um produto deve ser. Compor músicas todas iguais às das outras bandas, montar perfil no Facebook/Youtube e achar que vai ser o novo Sepultura não vai rolar, né?
Qual a sua opinião sobre a ditadura musical da atualidade?
Não acho que seja ditadura. Não acredito na ‘ditadura do funk’, na ‘ditadura do cover’. Empresas de mídia querem ganhar dinheiro. Bares querem ganhar dinheiro. A Globo passa jogo do Flamengo porque vai ter mais gente pra ver os anúncios dela. Você acha que se a Globo botar um programa de metal vai ter quanta gente assistindo? Já há um tempo deixei de ‘ah, a Globo empurra o funk na cabeça das pessoas’. Eu acho que é o contrário, ela detecta essas coisas e coloca lá. Só que hoje é tudo muito ruim mesmo, tudo dura só 5 minutos e já vem outro pior, música pra consumo de uma sociedade consumista.
Tem espaço pra aparecer rock ainda? Eu acho que tem. Não vai tocar na Globo nem no Sílvio Santos, mas pode atingir a um público mais variado que o do nicho do rock pesado.
Ou então é contar com o Estado malvadão. Só o Estado tem condições de promover a diversidade cultural, porque ele não visa – ou não deveria – o lucro. Promoção da cultura é papel do Estado. Ou seja, abiguinho: se você quer que alguém interrompa a ‘ditadura do funk breganejo’, você tem que votar na esquerda, que é quem coloca o Estado como propulsor da cultura, da educação, do país.
E ainda me vem roqueiro ser de direita, ser contra o Estado e reclamar de falta de espaço pra tocar na mídia. É pra chorar, né?
Quais livros fizeram ou estão fazendo sua cabeça?
Agora estou lendo ‘Mate-me por favor’, pra aprender sobre como surgiu a cena punk, as primeiras bandas etc. Normalmente leio livros de história, de política. Mas acho que o que mais me marcou até hoje foi ‘1984’. Tô com uns 4 livros em andamento, muito preguiçoso pra ler. Quero acabar logo e ler O Capital do Marx, tentei ler quando era universitário e não dei conta 🙂
O que você tem a dizer para quem deseja sair do armário dos instrumentos empoeirando e quer viver de música?
Vou pedir licença pra mudar a pergunta. Uma vez que eu sou puta véia mas que só resolveu começar a tocar algum instrumento (já testei todos, não aprendi nenhum 🙂 aos 40 anos, prefiro dizer ‘Ô mané, você vai envelhecer frustrado aí sem nunca ter montado uma banda? Entra em uma aula, contrata um professor, aprende um instrumento, monta banda, tá cheio de lugar pra tocar, e é legal demais!”
Foi golpe?
Foi golpe demais, vergonhoso e agora um governo ilegítimo passa no congresso todo dia coisas que jamais seriam aprovadas nas urnas. Tá foda.